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Entenda porque o Brasil é o paraíso dos sindicatos
Publicado 14/10/2025 • 13:39 | Atualizado há 2 meses
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Publicado 14/10/2025 • 13:39 | Atualizado há 2 meses
KEY POINTS
O Brasil tem muitos sindicatos. Não é impressão. O cadastro do Ministério do Trabalho registra 17.373 entidades em atividade, sendo 12.056 de trabalhadores e 5.317 patronais. Apesar disso, o ambiente de trabalho vive um paradoxo: nunca houve tantos ocupados, mas a proporção de sindicalizados é a menor da série histórica.
Em 2023, segundo o IBGE, apenas 8,4% dos trabalhadores estavam associados, o equivalente a 8,4 milhões de pessoas, contra 14,4 milhões em 2012. Em dez anos, os sindicatos perderam 6,2 milhões de filiados.
O número choca quando colocado em perspectiva com outros países. Primeiro, porque, em alguns locais é difícil fazer a contagem, diante de dados desatualizados ou inconsistentes como também de sistemas descentralizados ou formatos diferentes. No Brasil, o Ministério do Trabalho publica uma planilha atualizada com todas as entidades em atividade.
No Reino Unido, o número total de sindicatos registrados é mantido pelo Certification Officer, uma autoridade independente que supervisiona o registro e a conformidade das organizações sindicais. Segundo o relatório anual de 2023-2024, havia cerca de 150 sindicatos registrados no país.
Na França, há cinco grandes organizações reconhecidas como representativas devido à sua capacidade de obter pelo menos 8% dos votos expressos nas eleições profissionais.
No México, de acordo com informações recentes da Secretaria do Trabalho e Previsão Social (STPS) há atualmente 4.612 sindicatos registrados no país.
Na Alemanha, a Deutscher Gewerkschaftsbund (DGB), principal central sindical do país, reúne 8 grandes sindicatos, representando aproximadamente 5,6 milhões de membros. Além disso, existem outras centrais sindicais, como o Deutscher Beamtenbund (DBB), com cerca de 1,35 milhão de membros, e o Christlicher Gewerkschaftsbund Deutschlands (CGB), com aproximadamente 270 mil membros.
Na Argentina, com referência na Base de Sindicatos Autorizados, disponibilizada pelo Ministério do Trabalho, Emprego e Segurança Social da Argentina, o número total de sindicatos registrados é de 1.059. Essa base contém informações atualizadas até 3 de junho de 2025 e está disponível para consulta pública.
Essa diferença de quantidade se dá por diversos motivos, mas o principal é político e começa na estrutura criada nos anos 1930. Durante o governo de Getúlio Vargas, o Estado brasileiro definiu que a representação seria organizada por categoria profissional e base territorial, e que só poderia haver um sindicato por categoria em cada área. Essa regra de unicidade sindical, mantida pela Constituição de 1988, incentiva a criação de milhares de entidades diferentes — muitas vezes com bases pequenas e sobreposição de ramos.
Ou seja, a estrutura proibiria a criação de super sindicatos. Por exemplo, no estado de São Paulo há o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, o de Osasco e região, o da capital, o de São José dos Campos e outros. Imagine um sindicato estadual com capacidade de mobilização muito maior e estrutura financeira robusta. O governo e o empresariado temiam que os trabalhadores tivessem maior poder de mobilização e barganha, como tem a Fiesp, pelo lado das empresas, por exemplo.
Segundo estudo do IPEA, o Brasil tem muitos sindicatos porque o modelo foi criado para isso. A lei fragmenta categorias, delimita territórios e garante representação obrigatória. Durante décadas, o imposto sindical manteve essa estrutura. Quando ele acabou, a base encolheu.
Domingos Fortunato, sócio de Trabalhista e Sindical do Mattos Filho, considera que o modelo perdeu o sentido original. “A previsão da unicidade sindical é anacrônica, pois refletiu a sobreposição de interesses de classes em detrimento do interesse coletivo e social na época da Constituição de 1988. A OIT tem a Convenção 87, que defende liberdade e pluralidade sindicais, mas o Brasil nunca a ratificou. A manutenção do monopólio da representação sindical não faz sentido, pois inibe a competição entre entidades que poderia beneficiar todos os trabalhadores.”
Felipe Mazza, coordenador da área de Direito Trabalhista do EFCAN Advogados, contextualiza que o desenho institucional nasceu de uma conjuntura específica: “Na era Vargas, o país iniciava sua industrialização sem uma legislação consolidada. A CLT e o modelo sindical surgiram como resposta, inspirados no corporativismo europeu, com forte controle estatal e unicidade. Esse arranjo cumpriu uma função no passado, mas perdeu sentido com as transformações sociais e a diversidade atual do trabalho.”
Gabriel Henrique Santoro, do escritório Juveniz Jr Rolim e Ferraz Advogados, avalia que o resultado prático é um sistema “antigo e restritivo”: “Mesmo após 2017, quando a contribuição se tornou facultativa, a unicidade por categoria e base territorial impede trabalhadores e empresas de escolher quem melhor os representa. Não dá para falar em liberdade sindical plena com essa trava.”
Além disso, no Brasil o sindicato representa toda a categoria, mesmo quem não é filiado. Isso separa a quantidade de associados da quantidade de representados e cria entidades com poder legal, mas nem sempre com base real.
Para Marcos Poliszezuk, sócio fundador do Poliszezuk Advogados, o papel coletivo segue crucial para quem está na CLT: “O modelo ainda faz sentido porque protege a categoria e evita a exposição individual do trabalhador frente ao empregador. Quando pessoas migram para formatos sem cobertura da CLT, como PJ ou aplicativos, elas abrem mão desses direitos coletivos e do respaldo de uma entidade que negocia por elas.”
O modelo não nasceu de movimentos autônomos, mas de cima para baixo. Em 1931, o Decreto 19.770 submeteu os sindicatos ao controle do Ministério do Trabalho, consolidando a lógica de cooperação com o Estado. A inspiração veio da Carta del Lavoro, documento do regime italiano de 1927, que previa sindicatos reconhecidos e controlados pelo poder público. O Brasil adaptou essa ideia ao seu contexto, permitindo sindicatos, mas sob tutela estatal.
Mazza reforçou essa origem: “A tutela estatal sobre a vida sindical — inclusive com autorizações e limites à ação política — foi pensada para controlar e pacificar conflitos no início da industrialização. Esse DNA ajuda a entender por que multiplicamos entidades sem, necessariamente, multiplicar a representatividade.”
Poucos anos depois, Getúlio Vargas criou o imposto sindical, uma contribuição compulsória anual cobrada de trabalhadores e empresas. Incorporado à CLT de 1943, ele financiou o sistema por décadas e deu estabilidade financeira às entidades. Nos anos 1980, com a redemocratização, a Constituição ampliou liberdades e autorizou a sindicalização de servidores, mas manteve tanto a unicidade quanto o financiamento compulsório.
A mudança veio em 2017, quando a Reforma Trabalhista extinguiu a obrigatoriedade do imposto e exigiu autorização expressa do trabalhador para qualquer desconto. A CUT, criada em 1983, já defendia o fim do imposto por entender que ele estimulava dependência e “peleguismo”. Mas, sem a contribuição automática, milhares de entidades perderam receita e precisaram se reinventar.
O impacto foi que, mesmo com o emprego em alta, a sindicalização despencou — especialmente em setores de alta rotatividade e trabalho informal.
Santoro aponta o efeito combinado de financiamento e unicidade: “O sistema ficou desequilibrado. O trabalhador deixa de contribuir, mas não pode escolher outra entidade. Os sindicatos perdem receita e também não podem representar outras bases. Resultado: menos capilaridade e direitos mais fragilizados nas pontas.”
Fortunato concorda e amplia: “A maior discussão hoje é sobre legitimidade — não jurídica, mas de autoridade. A maioria dos empregados não se sente representada. Isso ficou evidente em 2013, quando sindicatos foram afastados dos protestos. Essa crise de confiança nasce do monopólio representativo. O ideal seria uma competição saudável entre sindicatos, permitindo que eles conquistassem os trabalhadores e revertessem essa perda de relevância.”
Entre 2017 e 2023, o Brasil criou 9,5 milhões de vagas, mas perdeu 4,6 milhões de filiados. O avanço do trabalho por conta própria, da terceirização e dos aplicativos reduziu o alcance das negociações tradicionais. Em 2023, o setor público ainda tinha a maior taxa de sindicalização (18,3%). Entre empregados com carteira, o índice foi de 10,1%. No setor informal, 3,7%. Domésticos, 2%. As maiores quedas vieram dos setores de transporte, indústria e serviços públicos.
Poliszezuk defende resposta prática para reconectar base e entidade: “Transparência e prestação de contas ajudam a mostrar o que já foi conquistado — vale-refeição, vale-alimentação, regras de jornada e acordos coletivos. Quando o trabalhador percebe resultado, a adesão cresce e o sindicato ganha tração sem precisar aumentar custo.”
Fortunato acrescenta que o financiamento voluntário é o modelo mais legítimo: “O que mais atrai legitimidade é a contribuição financeira espontânea do empregado. Isso só vai acontecer quando os serviços prestados forem percebidos como realmente valiosos. A sustentabilidade sindical depende da utilidade percebida, e não de compulsoriedade.”
Além dos sindicatos de base, o Brasil reconhece dez centrais sindicais, como CUT, Força Sindical, UGT e CTB. Elas funcionam como instâncias de articulação nacional, coordenando campanhas, negociações e posicionamentos políticos. As centrais foram legalizadas apenas após a Constituição, o que consolidou o sistema triplo: sindicatos de base, federações por ramo e centrais nacionais. Ainda assim, boa parte delas enfrenta o mesmo desafio de representatividade diante da fragmentação do mercado de trabalho.
Mazza sugere que a “ponte” com novas formas de trabalho passa por atualizar o desenho institucional: “A diversidade atual — regionais, cadeias produtivas, interesses comuns entre categorias — pede formatos menos rígidos, com livre sindicalização de fato e entidades que organizem trabalhadores dispersos.”
Santoro propõe dois caminhos de financiamento e governança: “O ideal seria liberdade sindical plena, com competição por representados. Uma alternativa ‘à brasileira’ seria manter a unicidade, mas aplicar benefícios das normas coletivas apenas aos filiados. Isso induz adesão sem resgatar contribuição compulsória.”
Poliszezuk converge na lógica do incentivo: “Se os não filiados não acessarem os benefícios da convenção, a contribuição passa a ser uma escolha com contrapartida, e não um imposto. O valor do sindicato aparece no contracheque.”
Fortunato, por sua vez, alerta para a excessiva fragmentação: “Existem setores com sindicato para um único empregado na localidade, o que mostra o grau de distorção do sistema. Antes da reforma de 2017 havia cerca de 17 mil entidades, e muitas existiam apenas para garantir estabilidade sindical. O mais importante é permitir a livre organização, impondo critérios mínimos de representatividade.”
Nos Estados Unidos, com cerca de 300 sindicatos registrados, a lógica é oposta. A sindicalização é voluntária e começa no local de trabalho. Os empregados realizam uma eleição e decidem se desejam ser representados. A taxa de sindicalização é de 9,9%, com 14,3 milhões de membros — praticamente o mesmo número absoluto do Brasil, mas em uma força de trabalho muito maior.
No setor público americano, a taxa é de 32%, e no privado, 5,9%. Lá, leis estaduais conhecidas como right-to-work permitem que trabalhadores não filiados deixem de contribuir, mesmo sendo beneficiados por acordos coletivos, o que limita o financiamento.
Santoro resume o contraste: “Nos EUA, a filiação nasce no local de trabalho e a disputa é por convencer a maioria. Aqui, a lei define a entidade por categoria e território. Lá há menos entidades nacionais e muitas seções locais; aqui, multiplicamos CNPJs — nem sempre com base ativa.”
A origem do sindicalismo moderno está na Revolução Industrial do século XIX, quando operários começaram a se organizar para negociar melhores condições. No Brasil, o movimento ganhou força com imigrantes europeus e sociedades de auxílio mútuo, mas foi Getúlio Vargas quem institucionalizou o sistema, moldando-o à imagem de um Estado interventor.
Hoje o debate gira em torno de duas direções: liberdade sindical plena, permitindo mais de um sindicato por categoria, competindo por representatividade; ou ajustes no sistema atual, mantendo a unicidade, mas fortalecendo a contribuição negocial aprovada em assembleia.
Fortunato sintetiza a perspectiva de futuro: “O modelo mais adequado seria aquele com liberdade absoluta de organização, sem intervenção do Estado, salvo para garantir legalidade na criação das entidades. A pluralidade sindical estimula representatividade real e força de negociação. Em última análise, o sindicato deve refletir a vontade dos trabalhadores, não a estrutura imposta pelo poder público.”
Mazza reforça o ponto final: “A reorganização é menos cartório e mais base. O sindicato precisa provar utilidade no dia a dia para merecer a contribuição voluntária.”
Poliszezuk destaca o risco da fragmentação contratual: “Quanto mais relações fora da CLT, mais enfraquecida fica a representação coletiva.”
E Santoro conclui que a bússola é a escolha do representado: “Liberdade para escolher quem negocia por você aumenta a pressão por eficiência e transparência.”
O Brasil tem muitos sindicatos porque foi desenhado assim. O desafio, daqui para frente, é fazer com que esses sindicatos voltem a ter sentido para quem mais precisa deles — os coletivos de trabalhadores.
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