“Queda de preço do café, só em 2026. Mas não volta ao patamar que nos acostumamos”, diz Abic
Publicado 19/03/2025 • 09:45 | Atualizado há 8 horas
Publicado 19/03/2025 • 09:45 | Atualizado há 8 horas
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A fonte pode variar, mas a conclusão é a mesma, palpável: o preço do café subiu muito. Segundo o IBGE, até fevereiro a alta em 12 meses é de 66,18%, 13 vezes a variação do próprio IPCA (5,06%). Pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras), 50,34% em 12 meses. De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), no município de São Paulo a alta do café em pó ao consumidor foi de 45,24% nos últimos 12 meses, até fevereiro. A própria Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic) afirma que, conforme o tipo, o aumento chegou a 39,36% no ano passado – a matéria-prima subiu 224% em quatro anos, e 110% no varejo. A explicação inclui redução da oferta, basicamente por fatores climáticos, e crescimento da demanda, o que leva os preços para cima no mercado internacional. E com os chineses consumindo cada vez mais café. Com isso, o brasileiro está sentindo o peso no bolso em cada uma das 1.430 xícaras que consome por ano.
O consumo interno ainda cresceu em 2024: 1,1% sobre o ano anterior. As exportações aumentaram 28,5% (em volume) e 55,4% (em receita). Esse aumento de preços “galopante e sem arrefecimento” ainda deve demorar para passar, segundo o diretor-executivo da Abic, Celírio Inácio. Se tudo der certo na safra deste ano, diz ele, há alguma perspectiva de queda em 2026. Mas sem empolgação: “Mesmo havendo queda, não acredito que esses preços voltarão ao patamar a que estávamos acostumados”.
A primeira e inevitável pergunta: por que o café está tão caro?
Celírio Inácio – Nós temos quase 300 anos que a gente produz café. Eu tive a curiosidade de buscar na história quando tinha acontecido isso com os preços (da matéria-prima, a commodity), quando tinha sido tão elevado. Isso aconteceu duas vezes na história, em 1975 e 1982, mas por dois e cinco dias. Aconteceu por alguma razão, e logo a Bolsa voltou aos patamares normais.
E agora…
Celírio Inácio – Estamos com esse aumento há dez meses, galopante e sem arrefecimento. Desde 2020 nós estamos com um problema climático. Ora tem geada, ora é falta de chuva, ora excesso de calor. Em 2020 tivemos uma safra bem importante [63 milhões de sacas], e de lá para cá essas safras têm sido sempre frustradas. E o mundo, especialmente de quem produz café – Colômbia, Indonésia, Vietnã –, também teve problemas climáticos. Isso tudo fez com que os estoques ficassem cada vez menores e a produção acabou não atendendo a demanda. Também houve problemas de transporte, por causa de conflitos e guerras, e a depreciação do real frente ao dólar. Tudo isso fez o preço subir.
Pelo lado da oferta esse pacote de variáveis negativas. E pelo lado da demanda?
Celírio Inácio – Países como a China, que entraram para o consumo.
Substituiu o chá?
Celírio Inácio – Não chegou a haver uma substituição, mas se isso acontecer vai ficar difícil produzir café no mundo. A China já é o sexto maior importador de café. Há quatro ou cinco anos, era o 22º. A Luckin Coffee [rede de cafeterias chinesa aberta em 2017] assinou contrato com a ApexBrasil [Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos] para compra de 120 mil toneladas [até o final de 2024; novo acordo prevê 240 mil toneladas de 2025 a 2029, com valor estimado de US$ 2,5 bilhões]. Xangai é onde existe o maior número de cafeterias do mundo.
E eles estão consumindo mais o nosso café.
Celírio Inácio – Se a China continuar consumindo café nessa velocidade, vamos continuar com algum problema de oferta. Mas o que está afetando é um conjunto de fatores. A melhoria da produção depende diretamente das condições climáticas.
Mesmo assim, o consumo interno aumentou…
Celírio Inácio – Sim, tivemos um aumento de 1,11% [21,9 milhões de sacas no ano passado, 40% da safra – confira quadro abaixo]. Por isso falo que o consumidor ainda não sentiu tanto esse aumento. Até setembro, não tivemos nenhum aumento anormal do mercado. A gente sempre diz que o café é resiliente, porque não existe outra bebida para substituir. Esse [aumento] que está tendo agora nós não temos histórico para comparar com salário mínimo, com cesta básica. É um momento de muita apreensão, de muita conversa com o varejo. A gente sabe que não é só o café. A cesta de alimentos tem tido um aumento. A indústria e o varejo estão conversando muito sobre esse movimento.
A indústria segurou preços?
Celírio Inácio – Só no ano passado, a alta da matéria-prima passou de 180%. E a indústria repassou 36% até 15 de dezembro, foi o levantamento que fizemos. Isso se deu por alguns fatores.
Quais?
Celírio Inácio – Café você também compra [no mercado] futuro. De alguma forma, a indústria tinha alguns estoques de quatro a cinco meses, alguns já comprados e negociados a preços favoráveis. E existe uma competitividade muito grande entre as indústrias. A indústria continua atenta a esses momentos, compra na baixa, faz estoque. Mas os estoques acabaram, as negociações se findaram, a ponto de ocorrer esse aumento acelerado em março, para que a indústria possa repor alguns preços que não conseguiu repor em 2024.
Ano | Consumo (milhões de sacas) | Consumo per capita (kg/habitante-ano) |
2000 | 13,2 | 3,81 |
2010 | 19,1 | 4,81 |
2020 | 21,2 | 4,79 |
2021 | 21,5 | 4,84 |
2022 | 21,3 | 4,77 |
2023 | 21,7 | 5,12 |
2024 | 21,9 | 5,01 |
Fonte: Abic
E o novo preço chegou ao consumidor…
Celírio Inácio – O consumidor, especificamente, está sentindo nos últimos 30 dias esse aumento mais acelerado, uma vez que a indústria percebeu que não tem mais estoque, não tem mais como comprar por melhores preços. Está havendo agora essa negociação direta com o varejo, que é outra etapa. O café é muito importante para o varejo, ele chama cliente para dentro da loja.
As exportações de café, que bateram recorde em 2024 [50,4 milhões de sacas vendidas para 116 países, crescimento de 28,5%], têm influenciado quanto na formação de preços no mercado interno?
Celírio Inácio – O preço que a indústria paga pela saca é o mesmo que outros países vão pagar. Porque esses preços são praticados na Bolsa. E são as bases para o que o produtor possa oferecer o café para quem quer comprar. Nós não tivemos falta de café no Brasil, para a indústria, o que tivemos foi uma produção mais disputada. E esse café era vendido a quem pagasse por ele. Não houve perda de compra do industrial por conta do número de produção, mas por causa de seu capital de giro. Não faltou café, mas foi mais difícil. Imagine uma indústria que tinha R$ 4 milhões para comprar mercadoria, daqui a pouco ele precisa de R$ 8 milhões. A desvalorização do real fez com que quem chegasse aqui com mais quantidade de dólar levasse mais café.
Qual é a estimativa para a produção deste ano?
Celírio Inácio – A Conab [Companhia Nacional de Abastecimento] fala em 54 a 55 milhões de sacas. Há quem diga que pode chegar a 60 milhões. Mas o Brasil é capaz de produzir algo em torno de 70 milhões de sacas. Houve um aumento da área de plantio, principalmente do conilon [ou robusta, variedade de café]. É possível que até 2027 a gente seja o maior produtor de conilon, [posição] que hoje pertence ao Vietnã. Mas a população [consumidora] também tem aumentado. Temos um grupo que não estava participando do consumo de café, que são os jovens, com café gelado, cafeterias, muitas novidades. Mesmo com a melhor produção, essa demanda também tem crescido junto.
Quanto da nossa produção vai para fora?
Celírio Inácio – Pelos números da Conab, exportamos de 50% a 60%. É histórico ficarmos com 35% a 40% do consumo interno de tudo que é produzido.
Os Estados Unidos são nosso maior comprador [8,1 milhões de sacas em 2024, +34%]. Há algum receio com a política econômica do novo governo?
Celírio Inácio – O café é muito vantajoso, em termos de lucratividade, para os Estados Unidos internamente. Mão de obra, faturamento, recolhimento de impostos. O café leva muita divisa e ajuda a desenvolver os Estados Unidos. A gente esteve lá agora, em encontro dos industriais [a convenção anual da NCA, a Associação Nacional do Café – segundo a entidade, os consumidores gastam US$ 300 milhões/dia em produtos de café].
E o que eles pensam sobre uma eventual onda tarifária no setor?
Celírio Inácio – O que vimos é um entendimento de que o prejuízo não seria só do Brasil, mas também deles. Por causa desses grandes números do que o café é capaz de contribuir para as receitas dos Estados Unidos. A gente entende que não seria o café o afetado para qualquer problemas de relações institucionais entre os dois países. Mas estamos conversando com o governo [brasileiro], principalmente com o vice-presidente [Geraldo Alckmin, que também é ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços], tratando para que não tenha problemas futuros.
Reduzir tarifa de importação pode ajudar ou é uma medida inócua?
Celírio Inácio – Tivemos essa experiência de 2022 para café torrado ou moído. O resultado foi zero.
Existe alguma diferença na medidade de agora?
Celírio Inácio – A novidade dessa nova medida é que, além de torrado ou moído, também está permitido para matéria-prima. É uma decisão preliminar. Isso tem que passar por um regramento que é necessário, e exigido, de riscos de pragas, fitossanitários… Alguns países já têm essa permissão [fitossanitária]. Todos vão ter de passar por esse regramento. Sem isso, fica no porto.
Há uma questão logística também?
Celírio Inácio – Temos problemas logísticos enormes. O porto de Santos está com gargalos enormes [no primeiro bimestre de 2025, pelo porto de Santos saíram 77,5% das exportações brasileiras de café, segundo o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil, o Cecafé]. E os preços oferecidos no mercado também não seriam melhores. Então, economicamente eu não vejo nenhuma vantagem. A Portaria 570 determina algumas regras para que esse café possa estar à disposição do consumidor. E a Abic faz análise de mais de 5 mil tipos de café, tirados dos pontos de venda.
As condições climáticas que prejudicaram a safra no Brasil vão melhorar?
Celírio Inácio – A gente está vendo uma perspectiva bastante boa. Em setembro tivemos uma boa florada, em janeiro e fevereiro agora, boas chuvas. Tudo está caminhando para que tenhamos uma boa safra. Isso vai arrefecer nossos problemas de produção.
Com todos esses fatores, é possível estimar quando os preços começarão a cair para o consumidor?
Celírio Inácio – Neste momento todos estão muito atentos ao consumo. Eu diria que um mês muito importante para que isso possa estar se entendendo é de setembro. A gente já está trabalhando com a expectativa de 2026, e em setembro estará trabalhando com a perspectiva de 2027, quando acontecem as floradas.
Somente em setembro um cenário mais claro?
Celírio Inácio – Se tivermos um momento favorável ao clima e o consumo no mundo não tiver algum impacto, a partir de setembro o mercado vai começar a se mostrar favorável ou desfavorável. E diante de uma perspectiva otimista, acredito que só em 2026 teríamos alguma perspectiva de queda. Os preços estão em patamares não desejados por ninguém. Inclusive pelo produtor. Precisam dar uma arrefecida. Por outro lado, ver os preços do café como a gente estava acostumado, eu não acredito que mesmo havendo queda esses preços voltarão ao patamar a que estávamos acostumados.
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