Apoio de Jair a Tarcísio foi motivo de briga com Eduardo; leia e ouça essas e outras conversas do relatório da PF

Mensagens de texto e de áudio trocadas entre o ex-presidente Jair Bolsonaro e seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, estão na base do relatório da Polícia Federal (PF) que determinou, nesta quarta-feira (20), o indiciamento de ambos por crimes de coação e “tentativa de abolição do estado democrático” na ação penal que apura o plano de golpe de Estado.

A decisão foi formalizada em relatório entregue ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Entre as conversas flagradas pela PF estão brigas entre pai e filho por conta do apoio de Bolsonaro ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.

Segundo o relatório, no dia 24 de junho, o ex-presidente enviou uma mensagem para o filho, comentando o resultado de uma pesquisa eleitoral para 2026: “você perde para o molusco”, afirma Bolsonaro, fazendo referência ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

“Acho melhor eu ficar de fora mesmo”, responde o deputado, dizendo que Tarcísio levará as bandeiras do pai em frente e que “vai anistiar geral”.

Em seguida, ele ironiza: “Já imagino o ‘TF‘ [Tarcisio de Freitas] falando com o Trump sobre a China. Sabe que vai cair tudo na sua conta, né? O futuro dos seus netos é falar inglês mesmo”.

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Preocupação com ‘coação ao STF’

O relatório da PF cita “a preocupação de Eduardo Bolsonaro de que uma eventual escolha de Tarcísio como sucessor de Jair Bolsonaro em uma futura campanha presidencial (…) possa atrapalhar as atividades em execução nos Estados Unidos para coagir e restringir o exercício do órgão de cúpula do poder Judiciário brasileiro.”

Em 25 de junho, Eduardo mandou uma nova mensagem ao pai: “a narrativa de Tarcísio te sucedendo, que já há acordo para isto, está muito forte. Precisamos segurar isso para nos mantermos vivos aqui”.

Em 11 de julho, fez novo ataque a Tarcisio: “Só para te deixar ciente: Tarcísio nunca te ajudou em nada no STF. Sempre esteve de braço cruzado vendo você se f* e se aquecendo para 2026”. Em seguida, ele avisa: “se quiser acessar a Casa Branca ele não conseguirá” e completa: “só eu e Paulo Figueiredo temos acesso”, se referindo ao blogueiro aliado da família.

Ainda nesse contexto, Eduardo ressalta: “Aqui nos EUA tivemos que driblar a ideia plantada pelos aliados dele, de que ‘Tarcisio = Bolsonaro’. Uma clara mensagem de que os EUA não precisariam entrar nesta briga, pois com TF ou você, Trump teria um aliado em 2027”.

O relatório cita a mensagem seguinte para chegar à conclusão de que: “evidenciando sua intenção criminosa, objetivando apenas tentar livrar JAIR BOLSONARO de uma eventual condenação criminal, EDUARDO BOLSONARO diz ‘Agora ele quer posar de salvador da pátria. Se o sistema enxergar no Tarcísio uma possibilidade de solução, eles não vão fazer o que estão pressionados a fazer. E pode ter certeza: uma solução Tarcisio passa longe de resolver o problema, vai apenas resolver a vida do pessoal da Faria Lima“.

Eduardo reclama de ser chamado de ‘imaturo’ e xinga o pai

O tom das mensagens mudou no dia 15 de julho, quando Eduardo chega a xingar o pai depois de ser chamado de imaturo: “Eu ia deixar de lado a história do Tarcísio, mas graças aos elogios que você fez a mim, estou pensando seriamente em dar mais uma porrada nele, para ver se você aprende”.

Em caixa alta, o deputado agride o pai: “VTNC SEU INGRATO DO C*!” e continua: “Se o IMATURO do seu filho de 40 anos não puder encontrar com os caras aqui, PORQUE VC ME JOGA PRA BAIXO, quem vai se f* é vc E VAI DECRETAR O RESTO DA MINHA VIDA NESTA P* AQUI!”. E conclui: “TENHA RESPONSABILIDADE!”.

‘Interesses pessoais’

O relatório cita outra mensagem de Eduardo para o pai para concluir que “a real intenção dos investigados não seria uma anistia para os condenados pelos atos golpistas realizados no dia 08 de janeiro de 2022, mas sim, interesses pessoais, no sentido de obter uma condição de impunidade de JAIR BOLSONARO na ação penal em curso por tentativa de golpe de Estado e Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito, mediante ações de grave ameaça para coagir e restringir exercício da Suprema Corte brasileira.” A mensagem é a seguinte:

“Se a anistia light passar, a última ajuda vinda dos EUA terá sido o post do Trump [em que ele critica a maneira como Bolsonaro ‘tem sido tratado’]. Eles não irão mais ajudar (…) Temos que decidir entre ajudar o Brasil, brecar o STF e resgatar a democracia OU enviar o pessoal que esteve num protesto que evoluiu para uma baderna para casa num semiaberto“.

Malafaia contra Eduardo Bolsonaro

O relatório também expõe conversas de Jair Bolsonaro com o pastor Silas Malafaia, onde ele aconselha o ex-presidente a fazer um vídeo falando sobre as tarifas de Donald Trump e as sanções sobre ministros do STF e suas famílias.

Os trechos de mensagens e áudios revelados pela PF mostram a atuação de Malafaia na orientação política de Jair Bolsonaro, em meio às negociações internacionais e à tentativa de aprovar uma anistia para réus do 8 de janeiro de 2022.

Nos diálogos, Malafaia cobra de Bolsonaro uma postura mais incisiva e chega a repreender Eduardo Bolsonaro: “Agora, presidente, a boa. Dá parabéns ao Flávio, pô! Falou certo, cacete. (…) Toda a carta do Trump é pra você! (…) A faca e o queijo tá na tua mão. E nós não podemos perder isso”, disse o pastor.

Ouça a mensagem de Malafaia a Bolsonaro com críticas a Eduardo

“Agora, presidente, a boa. Dá parabéns ao Flávio, pô! Falou certo, cacete. ‘Eu não sou a favor da taxação, não. Mas tem que sentar pra conversar sobre anistia’. Pô, toda a carta do Trump é pra você! Toda a arrombada que o Trump deu no mundo é sobre economia. Você… com o Brasil é sobre você, cara. A faca e o queijo tá na tua mão ó cacete! E nós não podemos perder isso, pô!

E vem o… vem teu filho b* falar m*… Dando discurso nacionalista, que eu sei que você não é a favor disso. Dei-lhe um esporro, cara… mandei um áudio pra ele de arrombar. E disse pra ele: ‘a próxima que tu fizer eu gravo um vídeo e te arrebento’!

Falei pro Eduardo: ‘vai pro meio de um cacete, pô’. O cara parecendo contra você. Essa fogueira de m* de vaidade. Mas dá parabéns ao Flávio, tá? Foi certinho. É isso aí. Vou dar parabéns a ele também. Vambora! A faca e o queijo tá contigo. Deus tá contigo, cumpadi! Eles tão é ferrado! Vão ter que sentar no colinho. Tá? Essa que é a verdade. Um abraço!”

Anistia em troca do tarifaço

Malafaia também incentiva Bolsonaro a assumir publicamente a narrativa da anistia como saída política. “Eu não quero ver Donald Trump com sanções sobre ministros e suas famílias. (…) É só resolver a questão da ANISTIA que isso acaba. Você, sim, é a maior voz. Me desculpa, discordo de você”.

Ouça a mensagem em que Malafaia incita Bolsonaro a defender a anistia

“Meu presidente, com todo respeito, discordo de você. A carta é toda sobre você. Esse cara fez uma coisa pra botar uma bola quicando pra você. Até ele lá. Eu conversei ontem com quem está lá e com quem fala com o assessor do Donald Trump todo dia. Eu quero ver uma reação de Bolsonaro e dos outros. Claro que você não vai arrumar briga com o STF, mas você pode até colocar isso. Nós não queremos ver Donald Trump com sanções sobre ministros e suas famílias.

Tu vai ficar bonito, dando uma de bacana ainda. Tem que tirar de Lula. Ele sabe jogar nisso, presidente. Ele dobra a aposta. Só quem pode parar Lula é o STF e trazer à baila a questão da anistia. Você, sim. Você é a maior voz, sim. Me desculpa, discordo de você. “Cê” não vai xingar STF. Você não vai esculhambar Alexandre de Moraes. Mas você pode se colocar, sim, e deve. Olha, minha gente, a questão da tarifa de Donald Trump não tem a ver com economia. Tem a ver com liberdade e justiça. Eu não quero ver retaliações sobre ministros do STF e suas famílias. Eu não quero ver isso. É só resolver a questão da anistia que isso acaba.

É esse… você… é o discurso maior é teu. Não é meu, não. Eu falo isso. Eu falo isso é um. Você falar isso é mil, o grau de peso. O meu grau é um. O teu grau é mil. Então, me desculpa. Discordo de você. Não. Vai me desculpar. Que história é essa? Quem é que pode falar isso, rapaz? Quem é que é mais apropriado com inteligência? Saber colocar? Uma coisa é bravata. ‘É! É! Alexandre vai pra cadeia mesmo. Tem que arrebentar. Aí, ai é bobagem. Você, como um estadista, você tem que dizer. Eu não quero ver… tirar de Lula! ‘A questão não é econômica. A questão é liberdade e justiça contra essas pessoas presas. Essa injustiça contra mim. Esse golpe que não existiu”.

Aí ó esse é teu discurso, Presidente! Eu não quero ver ministros do STF, nem suas famílias serem retaliadas. É só resolver a questão da anistia que tá… o problema tá resolvido! A questão não é econômica’ Você que tem que dizer isso. Eu? Eu digo. E estou falando. É só pegar meus vídeos. E segunda, falo de novo. Agora, tu quer comparar minha voz com a tua? Dizer que você não tem que falar? Não. Não faz isso comigo, não, queridão. Ó, pra terminar. Não errei uma contigo. E não tô errando de novo. Grande abraço. Deus te ilumine e te abençoe.”

Em resposta ao pastor, Bolsonaro reconhece a centralidade da anistia. “Malafaia, o que eu mais tenho feito é conversar com pessoas mais acertadas, que se não começar votando a anistia, não tem negociação sobre tarifa. (…) Da minha parte, é por aí”, afirmou.

Ouça a resposta de Bolsonaro a Malafaia

“Malafaia, o que eu mais tenho feito é conversar com pessoas mais acertadas, vamos assim dizer, no tocante, que se não começar votando a anistia, não tem negociação sobre tarifa. Não adianta um ou outro governador querer ir pros Estados Unidos, ir pra embaixada, para não sei onde quer que ele vá, tentar sensibilizar. Não vai conseguir.

Da minha parte… é por aí, pô. Agora, eu não posso também expor, como você quer que eu me exponha, que daí não resolve nada. Se eu der uma de machão agora ‘Atenção, só se for assim, só se for assado’, não resolve nada. Eu tenho meus contatos, não falo com ninguém e tô fazendo aquilo que eu entendo, você também tem razão, é a Anistia!

Resolveu a anistia? Resolveu tudo. Não resolveu? Já era ele não perde nenhuma. Tenha certeza disso.”

Javier Milei durante evento de gala do America First Policy Institute (AFPI), em Mar-a-Lago, Palm Beach, na Flórida

Pedido de asilo a Milei

A Polícia Federal (PF) encontrou também no celular do ex-presidente Jair Bolsonaro um documento de 33 páginas no qual ele cogita solicitar asilo político ao presidente da Argentina, Javier Milei. O texto, sem assinatura e sem data, estava salvo no aparelho desde 2024 e foi identificado durante perícia autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, no inquérito que apura a tentativa de golpe de Estado e as sanções impostas pelos Estados Unidos ao Brasil.

No documento, Bolsonaro se apresenta como vítima de perseguição. “De início, devo dizer que sou, em meu país de origem, perseguido por motivos e por delitos essencialmente políticos. No âmbito de tal perseguição, recentemente, fui alvo de diversas medidas cautelares”, diz um dos trechos.

A minuta também menciona a iminência de uma prisão “injusta, ilegal, arbitrária e inconstitucional” e recorre a tratados internacionais, como a Convenção de Caracas (1954), o Pacto de San José da Costa Rica e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, como fundamentos jurídicos para o pedido.

A investigação apontou que o documento foi criado por “Fernanda Bolsonaro”. Sobre isso, o relatório afirma: “é possível que o usuário em questão esteja vinculado à pessoa de FERNANDA ANTUNES FIGUEIRA BOLSONARO, nora do ex-Presidente e esposa do Senador FLAVIO NANTES BOLSONARO.”

Contexto da investigação

A PF destacou que o arquivo estava no celular desde dezembro de 2023, quando Bolsonaro viajou à Argentina para participar da posse de Milei. Segundo os investigadores, a última edição do documento ocorreu em 5 de dezembro de 2023, dois dias antes da viagem oficial, realizada entre 7 e 11 de dezembro. Para a Polícia Federal, o texto poderia ter sido usado para viabilizar a fuga do ex-presidente diante das investigações sobre a trama golpista.

“Os elementos informativos encontrados indicam, portanto, que o ex-presidente Jair Bolsonaro tinha em sua posse documento que viabilizaria sua evasão do Brasil em direção à República Argentina, notadamente após a deflagração de investigação pela Polícia Federal”, aponta o relatório.

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