Nova crise dos chips expõe fragilidade das cadeias globais de produção e ameaça a indústria automotiva brasileira.
Intervenção da Holanda na Nexperia e reação da China reacendem disputa tecnológica e desorganizam o fornecimento global.
Especialistas apontam que o risco político não estava no radar e que a validação de novos fornecedores leva meses.
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Trump cogita tarifas sobre semicondutores e amplia pressão na disputa tecnológica com a China.
A indústria automotiva enfrenta uma nova crise global de semicondutores, semelhante à vivida no auge da pandemia da covid-19. A escassez de chips, que já ameaça paralisar fábricas na Europa e preocupa o setor no Brasil, é resultado de um conflito geopolítico entre China, Estados Unidos e Holanda envolvendo a fabricante Nexperia, uma das maiores fornecedoras mundiais de componentes eletrônicos.
No mês passado, o governo holandêsassumiu o controle da Nexperia — até então uma subsidiária da chinesa Wingtech Technology — sob o argumento de preservar “capacidades tecnológicas estratégicas” para a segurança econômica da Europa. Em retaliação, Pequim proibiu a exportação de determinados produtos da empresa fabricados na China, interrompendo fluxos logísticos e paralisando parte da produção.
Os chips da Nexperia estão em praticamente todos os sistemas eletrônicos de um carro moderno, do controle de freios às centrais de bateria. Sem eles, as montadoras não conseguem manter as linhas de produção. Um veículo médio, por exemplo, usa de mil a três mil chips — e o risco de desabastecimento cresce a cada semana.
Na Holanda, a Volkswagen foi uma das primeiras a admitir preocupação. A montadora alertou nesta quarta-feira sobre possíveis paralisações temporárias na produção, citando as restrições chinesas à exportação de semicondutores da Nexperia.
Um porta-voz da companhia disse que, embora a Nexperia não seja fornecedora direta, alguns de seus chips estão presentes em componentes fabricados por fornecedores da Volkswagen.
“Estamos em contato próximo com todos os stakeholders relevantes para identificar riscos potenciais em estágio inicial e poder tomar decisões sobre eventuais medidas necessárias”, afirmou o porta-voz.
Por ora, a produção da empresa não foi afetada, mas o executivo reconheceu que, diante da evolução do cenário, efeitos de curto prazo não podem ser descartados.
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Crise se repete com causas diferentes
A Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) já alertou o governo federal sobre o risco de paralisação da produção nacional e pede ações emergenciais para evitar um colapso semelhante ao de 2020 e 2021, quando a pandemia desorganizou as cadeias globais de suprimentos.
“Com 1,3 milhão de empregos em jogo em toda a cadeia automotiva, é fundamental que se busque uma solução em um momento já desafiador, marcado por altos juros e desaquecimento da demanda”, afirmou o presidente da Anfavea, Igor Calvet.
Na crise da pandemia, o problema foi logístico e sanitário: fábricas asiáticas fecharam e o transporte marítimo colapsou. Agora, o epicentro é político.
Segundo David Wong, sócio da Alvarez & Marsal, a cadeia estava mais preparada para desastres naturais e eventos sanitários, mas não para tensões geopolíticas.
“Quando começou a pandemia, quem menos sofreu foi a Toyota, pois tinha aprendido com o terremoto e tsunami de 2011 e mudou a gestão do supply chain pra melhorar a resiliência da cadeia. No entanto, situações políticas não estavam no radar. O que aconteceu com a Nexperia é que ela tem parte da produção na Holanda e parte na China. Quando esse fluxo foi rompido, o fornecimento global travou”, explica.
Wong lembra que, como muitos chips automotivos são específicos para sistemas de segurança, freio ou bateria, não é possível substituí-los rapidamente: “Validar um novo fornecedor pode levar de seis meses a um ano”.
Europa reage, mas China pode sair fortalecida
Enquanto as montadoras europeias tentam conter os danos, os fabricantes chineses tendem a ser menos afetados. Isso porque, segundo Wong, a China tem um nível muito mais alto de verticalização produtiva, com grande parte dos componentes fabricados “in house” ou dentro do próprio país.
“As montadoras chinesas não deve sofrer grandes impactos. Mesmo que parte da cadeia dependa de importações, a capacidade de produção doméstica é suficiente para amortecer o choque”, afirma o especialista.
Essa vantagem reforça a posição estratégica da China no setor automotivo global, especialmente na produção de veículos elétricos e híbridos — que usam até dez vezes mais chips que modelos a combustão.
Montadoras europeias confirmaram impactos. A Mercedes-Benz afirmou ter garantido um fornecimento temporário de chips, mas alertou que “toda a indústria está sendo afetada”. A BMW e a Volkswagen disseram monitorar riscos de curto prazo, enquanto a Renault montou uma equipe de crise para buscar fornecedores alternativos.
No Brasil, as montadoras acompanham o desenrolar da disputa e se preocupam com o risco de interrupção no fluxo de importações, já que a cadeia global é altamente interdependente.
“O impacto da falta de semicondutores vai além do setor automotivo. Afeta uma gama de segmentos industriais que dependem desses componentes”, reforçou a Anfavea em nota.
Diversos chips na imagem
Laura Ockel/Unsplash
Chips, poder e dependência
Para o economista e doutor em relações internacionais Igor Lucena, a crise atual revela a vulnerabilidade dos países que não desenvolveram tecnologias próprias e coloca o Brasil em uma posição delicada.
“Grande parte dos semicondutores vem da China, dos Estados Unidos e da Europa. Uma ruptura nesse comércio afeta diretamente o Brasil. O País pode tentar acordos diretos com governos ou empresas para manter o fluxo de componentes, mas isso é complexo”, avalia.
Lucena defende que o Brasil busque rotas alternativas (bypass) no comércio global — importando diretamente da China, Europa ou EUA, sem depender de intermediários — e atraia investimentos na produção local de chips.
“O Brasil pode ser uma vítima colateral do conflito. Essa crise mostra as consequências de não ter desenvolvido tecnologias estratégicas no longo prazo”, afirma.
Para Adriana Melo, CFO da SAS Brasil, o risco vai além das montadoras. “Com essa quantidade de chips por veículo, qualquer ruptura na cadeia trava a fabricação de sensores, módulos de potência, centrais eletrônicas, controles de emissões. Isso expõe a vulnerabilidade da cadeia e a falta de autonomia tecnológica do país”, afirmou.
A executiva destacou que o Brasil paga caro por essa dependência, lembrando que durante a última crise dos semicondutores os preços dos automóveis subiram muito acima da inflação. Segundo ela, alguns fabricantes perceberam que margens maiores vieram com a escassez, o que distorceu a dinâmica de oferta e demanda e ampliou custos logísticos e de seguros.
Um problema que tende a se repetir
Enquanto a indústria corre para evitar novos gargalos, especialistas apontam que a eletrificação dos veículos e a transformação digital aumentam a dependência de chips. Híbridos e elétricos usam até dez vezes mais semicondutores do que carros a combustão.
“A Nexperia cresceu muito com a eletrificação, porque esses veículos precisam de muito mais chips. A conjunção de tensão política e avanço tecnológico criou o cenário perfeito para uma nova crise”, resume Wong.
Para a Anfavea, a mobilização precisa ser imediata. O setor teme que o desabastecimento global, somado ao custo alto do crédito e à demanda enfraquecida, acabe freando a retomada da produção automotiva no Brasil.
“A urgência é evidente, e a mobilização se faz necessária para evitar um colapso na indústria”, reforçou Calvet.
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