O presidente Donald Trump está se colocando em seu próprio caminho quando se trata de aprovar leis sobre criptomoedas.
Os legisladores rejeitaram esta semana a Lei GENIUS — um projeto de lei que visa estabelecer regras federais para stablecoins — em parte devido a preocupações de que os empreendimentos pessoais do presidente Trump com criptomoedas tenham criado um conflito de interesses sem precedentes.
“Atualmente, pessoas que desejam cultivar influência sobre o presidente podem enriquecê-lo pessoalmente comprando criptomoedas que ele possui ou controla”, disse o senador Jeff Merkley, democrata do Oregon, em um comunicado à CNBC explicando sua oposição ao projeto de lei. “Este é um esquema profundamente corrupto. Ele põe em risco nossa segurança nacional e corrói a confiança pública no governo.”
Stablecoins são moedas digitais atreladas ao valor de outros ativos, como o dólar americano.
Conseguir que qualquer coisa seja aprovada no Congresso é uma batalha árdua para os republicanos, dada a sua maioria apertada na Câmara, a exigência de não obstrução no Senado e a posição cada vez mais unificada dos democratas contra a agenda do presidente Trump. Mas um número suficiente de democratas parecia estar a bordo de uma lei sobre stablecoins para garantir uma rara vitória bipartidária para o presidente.
Isso até que $TRUMP entrou no caminho.
A moeda meme do presidente, lançada pouco antes da posse em janeiro, adicionou bilhões de dólares em papel aos seus cofres. Seu valor disparou no mês passado, após o projeto lançar uma promoção oferecendo aos principais detentores de $TRUMP um jantar com o presidente e um “tour VIP pela Casa Branca”. O senador Richard Blumenthal, democrata de Connecticut, chamou a ação de “esquema de pagamento por jogo”. A primeira-dama Melania Trump também tem uma moeda.
O projeto de lei GENIUS não avançou no Senado na quinta-feira. Foram necessários 60 votos para chegar ao plenário do Senado para aprovação final. A contagem final foi de 48 votos a favor e 49 contra. Três senadores não votaram.
No início da semana, os senadores democratas apresentaram a “Lei para Acabar com a Corrupção em Criptomoedas”, liderada por Merkley e pelo líder da minoria Chuck Schumer, de Nova York, com o objetivo de proibir autoridades eleitas e altos funcionários do poder executivo e suas famílias de emitir ou endossar ativos digitais.
Mas as principais deserções na legislação sobre stablecoins ocorreram no último fim de semana, quando um grupo de nove senadores democratas — quatro dos quais já haviam votado a favor do projeto na comissão — disseram que não o apoiariam e pediram disposições mais rigorosas para lidar com “o combate à lavagem de dinheiro, emissores estrangeiros e segurança nacional”.
‘Auto-negociação contínua’
A senadora Lisa Blunt Rochester, de Delaware, foi uma das quatro. Ela apontou diretamente para os envolvimentos financeiros de Trump.
“Também continuo preocupada com os atuais conflitos de interesses financeiros e de auto-negociação praticados pela família Trump”, escreveu ela em um comunicado na quinta-feira (08).
Não se trata apenas das moedas meme $TRUMP e $MELANIA. Há também o empreendimento de criptomoedas da família Trump, World Liberty Financial, que foi criado no ano passado e lançou uma stablecoin justamente quando o governo pressionava por regulamentações mais flexíveis para ativos digitais.
Relatórios indicam que a MGX, sediada em Abu Dhabi, está usando a stablecoin de Trump para um investimento de US$ 2 bilhões na corretora de criptomoedas Binance, criando mais um potencial conflito de interesses para um presidente em exercício.
Para alguns investidores e empreendedores da indústria de criptomoedas, a busca do presidente por lucros pessoais está criando um grande obstáculo para avanços tão esperados. Após anos de contratempos durante o governo Biden, o lobby das criptomoedas tornou-se uma força poderosa no financiamento da campanha de Trump para 2024 e no apoio bem-sucedido a candidatos favoráveis à indústria no Congresso.
“É lamentável que os negócios pessoais estejam atrapalhando as boas políticas”, disse Ryan Gilbert, fundador do fundo de risco fintech Launchpad Capital. “Espero que todos no governo, incluindo o presidente, se afastem das boas políticas.”
A Casa Branca não respondeu a um pedido de comentário. Em uma coletiva de imprensa na sexta-feira, a secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, disse, quando questionada sobre o jantar da moeda meme, que “o presidente está cumprindo todas as leis de conflito de interesses”.
“O presidente é um empresário de sucesso, e acho que essa é uma das muitas razões pelas quais as pessoas o reelegeram para este cargo”, disse Leavitt.
Vários democratas de destaque, incluindo a senadora Elizabeth Warren, de Massachusetts, e Kirsten Gillibrand, de Nova York, juntaram-se à onda de críticas, visando os interesses pessoais do presidente Trump. Gillibrand ajudou a apresentar a Lei GENIUS no início deste ano, mas afirmou esta semana que há “uma série de questões pendentes que precisam ser abordadas antes que o projeto de lei seja aprovado pelo Senado”.
“Acredito que seja essencial para o futuro da economia dos EUA e para os americanos comuns que implementemos regulamentações rigorosas para stablecoins e proteções ao consumidor onde elas não existem atualmente”, disse Gillibrand em um comunicado. “Continuo extremamente confiante e esperançosa de que muito em breve poderemos concluir o trabalho.”
A senadora Blumenthal pediu uma investigação sobre as moedas vinculadas a Trump, exigindo registros financeiros da World Liberty Financial e criticando o presidente pela “tentativa de usar a Casa Branca para sediar competições para sustentar o valor de $TRUMP”.
O senador Ruben Gallego, democrata do Arizona, apoiou o GENIUS Act, mas disse que não poderia prosseguir esta semana depois que os republicanos se recusaram a dar mais tempo para negociar.
“Sem mais tempo para pelo menos finalizar o projeto de lei, não havia um verdadeiro caminho bipartidário a seguir”, escreveu ele no X.
Gilbert, do Launchpad, disse que a Lei GENIUS é apenas a primeira parte. De forma mais ampla, os conflitos do presidente podem impactar as esperanças por outras conquistas legislativas e esforços de desregulamentação, bem como a reputação da indústria de criptomoedas dos EUA no cenário mundial.
“Seremos motivo de chacota no mundo por esse motivo específico, e isso impedirá a continuidade dos investimentos e da inovação”, disse Gilbert. “Havia esperança nos últimos seis meses de que poderíamos liderar nos Estados Unidos e que o investimento deveria fluir para negócios relacionados a criptomoedas, e então seria mais simples e factível novamente para todas as empresas assumirem a liderança e investirem em criptoativos.”
No entanto, ele disse, “se a Lei GENIUS não for aprovada, voltaremos à estaca zero.”
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Juliana Colombo é jornalista especializada em economia e negócios. Já trabalhou nas principais redações do país, como Valor Econômico, Forbes, Folha de S. Paulo e Rede Globo.
Este conteúdo foi fornecido pela CNBC Internacional e a responsabilidade exclusiva pela tradução para o português é do Times Brasil.
