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Tarifas do Trump

Triangulação comercial: o ‘jeitinho latino’ de driblar as barreiras tarifárias de Trump ao Brasil

Publicado 11/10/2025 • 20:16 | Atualizado há 3 horas

KEY POINTS

  • Países latino-americanos usam triangulação para contornar tarifas de até 50% impostas pelos EUA a produtos brasileiros.
  • Exportações brasileiras de carne para a Argentina e de café para a Colômbia disparam, enquanto esses países ampliam vendas aos EUA.
  • Especialistas alertam para riscos jurídicos, fiscais e de governança, e veem a prática como paliativa, não integradora.

Sacos de café colombiano prontos para exportação para os EUA, substituindo o produto brasileiro. Divulgação: Federacion Nacional de Cafeteros

O fenômeno revela, por um lado, a capacidade de adaptação das empresas e governos latino-americanos diante de choques externos; por outro, escancara a falta de coordenação regional.

Não é uma estratégia nova, nem foi inventada pelo Brasil. A triangulação comercial existe desde que o comércio foi instituído pela humanidade, talvez há cerca de seis mil anos, quando caravanas desviavam rotas para escapar de tributos, guerras ou restrições políticas. De lá para cá, o mundo mudou, mas a lógica permanece: quando barreiras dificultam o acesso direto a um mercado, agentes econômicos buscam caminhos alternativos.

Foi exatamente isso que começou a acontecer na América do Sul depois que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou um tarifaço de 50% sobre produtos brasileiros, em julho, e mais precisamente desde o dia 2 de abril — data que a própria Casa Branca batizou de “liberation day”. 

A decisão atingiu setores importantes do agronegócio brasileiro, como o de carnes, laranja e café, e rapidamente provocou um rearranjo silencioso nas rotas comerciais da região. Sem opção ao suco de laranja brasileiro, Trump voltou atrás na taxação do produto. 

Para os outros, os países vizinhos com produção própria e acesso ao mercado americano começaram a funcionar como intermediários. A Argentina, com sua carne, e a Colômbia, com seu café, aproveitaram a valorização de suas moedas para comprar barato do Brasil e vender em dólar para os Estados Unidos. O Brasil, por sua vez, encontrou compradores e não perdeu a produção.

No caso da carne bovina, os números contam uma história reveladora. Em todo o ano de 2024, o Brasil exportou apenas 698 toneladas do produto para a Argentina. Em 2025, só nos primeiros nove meses, esse número explodiu para 10.326 toneladas — um salto de 1.400%. Setembro foi particularmente simbólico: 2.424 toneladas embarcadas, quase 9.000% a mais que no mesmo mês do ano anterior. Esse aumento repentino coincidiu com o início da aplicação efetiva das tarifas americanas e com um movimento simultâneo do lado argentino.

Elaboração Times Brasil | CNBC – Dados Abiec e Bolsa de Comércio de Rosário

De janeiro a agosto, as exportações de carne bovina da Argentina para os EUA atingiram US$ 2,256 bilhões, um crescimento de 24% em relação ao mesmo período do ano anterior e 20% acima da média dos últimos cinco anos, segundo a Bolsa de Comércio de Rosário. A forte demanda americana — resultado de uma seca prolongada que reduziu o rebanho doméstico e elevou os preços da nutrição animal — impulsionou os preços da carne argentina em 40% nesse intervalo.

Na prática, a Argentina passou a importar volumes significativos de carne brasileira para abastecer seu consumo interno, liberando parte de sua produção para o mercado americano, onde consegue preços mais altos. É uma triangulação clássica: o produto não entra nos EUA com a etiqueta “Brasil”, mas com a “Argentina”, ainda que parte relevante do abastecimento venha de frigoríficos brasileiros.

Com o café, a operação é semelhante, embora mais sutil. A Colômbia, tradicional fornecedora de cafés especiais para os EUA, intensificou suas compras de café brasileiro em 2025. Entre janeiro e setembro, foram exportadas 585 mil toneladas de café do Brasil para o país andino, quase 30% a mais que no ano anterior. Em agosto, o volume foi de 112.948 toneladas, contra apenas 16.649 no mesmo mês de 2024. Ao mesmo tempo, as exportações colombianas para os EUA continuaram em alta: 467,5 mil sacas em agosto, superando as 452,1 mil do ano anterior.

Elaboração Times Brasil | CNBC – Dados Cecafé e Federación Nacional de Cafeteros

Na prática, os colombianos consomem mais café brasileiro internamente, o que permite enviar uma fatia maior de sua produção própria para os Estados Unidos — exatamente o mesmo mecanismo observado no setor de carnes com a Argentina.

Exportações da Coômbia para os EUA Elaboração Times Brasil | CNBC – Federación Nacional de Cafeteros

Do ponto de vista econômico, especialistas destacam que a triangulação é uma solução paliativa.

O economista Igor Lucena explica que a prática se sustenta principalmente por um cálculo pragmático: mesmo com os custos extras de frete, seguros e intermediação, triangulando via países vizinhos, os exportadores brasileiros ainda conseguem reduzir o impacto das tarifas de 30%, 40% ou 50% impostas pelos Estados Unidos. É uma conta que fecha no curto prazo, mas está longe de ser neutra.

Além de encarecer operações, esse tipo de arranjo depende da disposição dos países intermediários. Eles podem aceitar o papel de entrepostos, como Argentina e Colômbia têm feito até aqui, ou optar por expandir sua própria produção e disputar diretamente o mercado americano — reduzindo, com o tempo, o espaço do Brasil. Lucena lembra ainda que, se os EUA identificarem triangulação irregular, podem aplicar sanções tanto ao país intermediário quanto ao exportador original, como sobretaxas retroativas ou restrições específicas.

As consequências vão além da economia. Do ponto de vista fiscal e contábil, empresas que recorrem a triangulações pouco transparentes podem acumular riscos significativos. Marcello Marin, especialista em governança corporativa, observa que a engenharia de triangulação pode ser vista como irregular pelos fiscos locais e internacionais, gerando multas, cobranças retroativas e até bloqueios de operações. Como muitas vezes os registros são opacos, as empresas acabam se expondo a questionamentos contábeis e de compliance que podem explodir no futuro.

Essa falta de clareza, explica Marin, pode corroer a confiança de investidores e instituições financeiras. “Funciona no curto prazo, sem queda de receita, mas no longo prazo, o valuation da empresa sofre, o custo de crédito aumenta e a governança fica fragilizada”, afirma. Em mercados globais cada vez mais fiscalizados, essas fragilidades tendem a ser duramente penalizadas.

Do ponto de vista jurídico, a triangulação não é necessariamente ilegal. O advogado e árbitro Larry Carvalho lembra que as regras da Organização Mundial do Comércio e dos acordos de livre comércio permitem operações de importação e reexportação via terceiros países, desde que haja transparência e transformação substancial da mercadoria no território intermediário. 

O problema surge quando a triangulação se reduz a uma mera reetiquetagem de origem — a chamada transshipment fraud. Nesse caso, há clara violação das regras de origem, abrindo espaço para investigações e retaliações.

Carvalho explica que autoridades americanas já monitoram com atenção as movimentações na América do Sul e sinalizaram investigações sobre fluxos suspeitos de carne e café. As consequências, diz ele, podem ser severas: endurecimento tarifário, fiscalização mais rígida e até proibição individualizada de empresas brasileiras de exportarem para os EUA caso a fraude seja comprovada. É um cenário de “ganho imediato, risco futuro elevado”, que mina a previsibilidade das cadeias globais de suprimento.

O fenômeno da triangulação revela, por um lado, a capacidade de adaptação das empresas e governos latino-americanos diante de choques externos; por outro, escancara a falta de coordenação regional. Em vez de políticas comerciais integradas ou negociações conjuntas, a resposta ao tarifaço americano tem sido marcada por soluções improvisadas, com ganhos pontuais, riscos difusos e pouca perspectiva de longo prazo.

Enquanto as tarifas de Trump seguem em vigor e não há avanços concretos em uma negociação bilateral, o “jeitinho latino” cumpre o papel de manter o fluxo de produtos brasileiros no mercado americano — mas à custa de mais custos logísticos, riscos jurídicos e uma dependência delicada de parceiros intermediários. Trata-se de um arranjo engenhoso, mas instável, que diz tanto sobre a inventividade da região quanto sobre seus limites estruturais.

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